quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Reinhart e Rogoff: A Política Econômica de um Default pelos EUA

John Tamny 
Editor do RealClearMarkets e Forbes Opinions, assessor econômico para a H.C. Wainwright Economics e um assessor econômico de Toreador Research and Trading (www.trtadvisors.com). Ele pode ser contactado pelo jtamny@realclearmarkets.com.

2/12/2010

Postado por Marco Aurélio
Com os gastos federais nos Estados Unidos batendo recordes em termos nominais e como percentagem do PIB, há uma quantidade crescente de analistas sugerindo que o governo dos EUA está falido e que acabará por dar default (declarar moratória). Embora a dívida federal não tenha atingido os níveis pós-Segunda Guerra, passivos futuros não-provisionados, que alguns acreditam beirar USD 100 trilhões, deixam muitos analistas com os cabelos em pé.

Em seu livro de 2009 This Time is Different (“Desta Vez É Diferente”), os economistas Carmen Reinhart e Ken Rogoff observam que os defaults se tornam mais prováveis quando a relação dívida/PIB (não incluido aí o passivo a descoberto) ultrapassa os 100%. O fato de que ainda temos espaço antes de chegar a 100% dá certo alento aos otimistas, junto com o fato de que o custo de capital para o Tesouro dos EUA continua baixo. Mas Reinhart e Rogoff lembram que tanto o México quanto a Argentina optaram pelo default quando a razão entre sua dívida e seu PIB estava na faixa de 50%. Isso é um sinal de que, no mínimo, já estamos na zona de perigo.

Um argumento que sustenta o otimismo sobre nossos déficits orçamentários tem a ver com o fato histórico de que os EUA nunca entraram em default. O problema aqui é uma definição de default entendida em sentido muito restrito. Quando calculado numa base ajustada para o valor da moeda, Washington já deu o calote em seus credores antes e continua a fazê-lo ainda hoje. Isso tem consequências econômicas graves, porque o capital flui para fora das economias onde é mais penalizado do que recompensado.

Se o default for pensado em termos tradicionais, como é o caso quando os investidores simplesmente são obrigados a cancelar parte da dívida, ele se torna menos assustador, menos prejudicial economicamente e bastante comum na arena internacional. Em tais circunstâncias, a moeda pode permanecer forte e os danos ao crédito não são transmitidos para quem financia o crescimento da economia privada. No caso dos Estados Unidos, pode-se, portanto, argumentar que um default às claras seria melhor do que o que estamos fazendo de forma furtiva.

Um breve histórico dos defaults. O falecido presidente do Citibank Walter Wriston ficou famoso por dizer, "Países não quebram". Seu comentário, feito nos anos 80, ainda lhe custa um bocado de piadas, mas, se examinado de forma realista, o que disse faz sentido.

De fato, é raro um país ficar sem nenhum recurso. Isso não é surpresa, dado o poder de tributação de todos os governos. E é verdade que governos com pouco dinheiro em caixa conduzem sofisticadas análises de custo/benefício sobre defaults em potencial e, historicamente, acabam descobrindo como pagar menos do que devem.

Como Reinhart e Rogoff observam, "a maioria dos defaults acabam sendo parciais, não completos". De fato, como descobriram ser a regra na maioria dos casos, "o pagamento parcial é significativo, não meramente símbolico".

Alguns podem acreditar que os países de maior poder militar são os mais capazes de captar os fundos que seriam emprestados a outros. Mas isso também é um erro. Diz a lógica que há um forte incentivo para que os países paguem uma parte substancial do que devem, a fim de manter o acesso aos mercados de capitais.

Não é nenhuma surpresa que as considerações de guerra serviram, historicamente, como um forte incentivo para que os países não dêem o calote em seus credores. Especificamente, Reinhart e Rogoff citam a mudança da Inglaterra para o padrão ouro, na esteira da Revolução Gloriosa, como um fator que facilitou sobremaneira o acesso frequente aos mercados de crédito para financiar as guerras contra a França.

Assim, enquanto os defaults em série tornam difícil reunir recursos para a guerra, e não são, portanto, uma boa estratégia, as guerras muitas vezes sinalizam um outro tipo de default – aquele que se dá por meio da desvalorização. Para Gustav Cassel, a desvalorização era a única forma de os governos pagarem por guerras não-financiadas pelos contribuintes. Também observou que os governos, ao necessitar de uma proporção maior dos recursos disponíveis em tempos de guerra, têm usado a desvalorização como uma ferramenta para torná-los menos acessíveis ao cidadão comum.

Examinando os defaults ao redor do mundo, a Grécia passou mais de metade dos anos desde 1800 em situação de atraso para com seus credores; a Argentina declarou default três vezes só no período desde 1980, e a Venezuela declarou default dez vezes desde 1830. Como Reinhart e Rogoff disseram em seu livro, "defaults repetidos por governos são a norma em todas as regiões do mundo, inclusive na Ásia e Europa."

Default soberano versus default nacional. É aqui que as coisas ficam um pouco mais interessantes. Embora dívida seja dívida, existe certamente uma distinção entre os montantes devidos por um país aos seus cidadãos e os que são devidos a credores estrangeiros. Em termos simples, os governos têm muita mais facilidade em dar um default interno do que a nível internacional, onde os mercados de capital globais impõem uma restrição efetiva.

Provas que sustentam a afirmação acima são fornecidas por Reinhart e Rogoff. Enquanto deixam clara sua definição de inflação, descobriram, em suas pesquisas, que as taxas de inflação quando da ocorrência de defaults externos eram de, em média, 33%, enquanto que, durante batalhas internas com a dívida, o número pula para 170%. De forma mais notável, mas não muito surpreendente, descobriram que os defaults externos apresentam uma alta correlação com as crises bancárias.

Isso também explica por que os defaults na dívida externa chamam mais a atenção. Crises bancárias são o resultado freqüente de default, quando os países deixam de honrar compromissos devidos a credores estrangeiros. Isso aumenta o risco de "contágio" relacionado a bancos que detêm a dívida.

Especificamente, Reinhart e Rogoff apontam para a crise do "Tesebono" mexicano de 1994 como uma que teria passado largamente despercebida, se não fosse a exposição global à dívida mexicana. Voltando à Argentina, apesar de seu governo ter declarado default em 1982, 1989 e 2001, o default de 1989 não mereceu atenção internacional porque eram os cidadãos do país – e não os bancos estrangeiros - que sofreram o calote.

Rogoff e Reinhart constataram que o período de existência do FMI coincidiu com "episódios mais freqüentes de moratória soberana". Isso parece lógico, devido ao papel do FMI na redução da dor associada aos desperdício governamental. Segundo seus cálculos, os investidores são compensados por esse risco com prêmios de risco "às vezes superiores a 5% ou 10% por ano."

De possível interesse para aqueles que seguem o mercado de ouro, Reinhart e Rogoff consideram que houve uma calmaria relativa no setor bancário entre 1940 e 1970. Isso não é surpreendente, quando se considera que o valor do dinheiro permaneceu, de forma geral, estável durante os anos de Bretton Woods. Os autores observam que as crises bancárias têm aumentado desde 1970; mas, estranhamente, apontam para uma "redução e remoção das barreiras ao investimento dentro e fora do país" como o provável culpado.

Talvez falte dar maior destaque à opinião de Cassel de que o público mantém uma crença tenaz na idéia de que "uma coroa é uma coroa", e, por extensão, "um dólar é um dólar", apesar do fato de que mudanças na relação de valores monetários em relação ao ouro são muito significativas. O dinheiro global, desde 1971, não possui nada que lhe sirva como forma de lastro intrínseco.

Tendo isso em mente, não nos deve chocar, em absoluto, o crescimento no número de crises bancárias. A desvalorização do dinheiro é tanto um default quanto qualquer outro, e isso tem alterado significativamente o valor dos títulos de dívida nos balanços dos bancos em todo o mundo, com conseqüências certamente negativas.

Examinando o declínio no valor do dólar contra apenas o ouro desde 2001, esse declínio não apenas promoveu uma fuga para os ativos tangíveis menos vulneráveis a um enfraquecimento da moeda, como é o caso da habitação, mas, sem dúvida, desvalorizou os instrumentos de dívida detidos por bancos, os quais permitiram, em primeira instância, esse boom imobiliário. As taxas de juros sobre os empréstimos para imóveis eram (e ainda continuam) baixas, mas o declínio do dólar e a crise resultante entre as instituições financeiras não pode ser ignorada.

Os EUA nunca deram default? Reinhart e Rogoff observam que os EUA, Canadá, Nova Zelândia e Austrália nunca deram um default no sentido tradicional, mas admitem que, pelo menos no caso dos EUA, houve uma opção pela desvalorização da moeda. Mencionam especificamente a revogação da cláusula-ouro em 1933, que significou que a dívida paga aos credores americanos (de 1928 a 1946 os EUA não tiveram dívida externa) foi reembolsada em papel-moeda, no lugar de ouro.

Mas se 1933 pode ser considerado um caso de default, então é fácil argumentar que os EUA têm dado o calote em investidores desde então, principalmente a partir de 1971. Durante esse tempo o valor do dólar, medido em ouro, desabou, dos USD 35 fixados por Bretton Woods até a marca de USD 1.400 dólares, batida recentemente.

Assim, enquanto o Tesouro dos EUA nunca reduziu o valor em dólares do que deve a credores estrangeiros ou nacionais desde 1933, ainda que parcialmente, o valor em dólares do que deve foi certamente aviltado. Em termos simples, os EUA têm dado defaults em série desde que o presidente Nixon cortou o vínculo do dólar com o ouro em 1971. Os franceses chamam isso de "o privilégio exorbitante" americano – isto é, o poder de emitir o que ainda é a moeda do mundo. Se o ouro nos diz a verdade, temos utilizado esse privilégio para dar o calote em nossos credores.

A moeda definida pelo ouro não apenas eliminou a inflação, como também manteve os governos honestos. E enquanto o dólar continua sendo o dólar, a moeda americana, medida em ouro, mudou profundamente no decorrer desta  década apenas. Usando ouro como referência, o default que, dizem alguns, é iminente já está há muito tempo em curso, tendo ocorrido especialmente na década de 70 e na década que acabou de passar.

O que há de tão assustador sobre um default dos EUA? A resposta é fácil se expandirmos a definição de default para incluir a desvalorização da moeda. Nesse sentido, o default é problemático porque toda a atividade empresarial e todos os empregos são o resultado direto da poupança destinada a financiá-los.

Se o Tesouro continua a reduzir o valor real de sua dívida permitindo sua queda, então todos sofremos com uma quantidade limitada de capital sendo canalizada para investimentos improdutivos, como os ativos tangíveis, desejados justamente por serem menos vulneráveis a uma desvalorização monetária. Nossa capacidade de encontrar trabalho com empresas inovadoras fica comprometida se o dinheiro for aviltado de tal forma que os investidores entrem em greve. Como poupadores, também sofremos com a desvalorização da moeda, por causa da degradação que reduz o valor do dinheiro que poupamos, isto é, que escolhemos consumir em data futura. A inflação é um imposto, e quando a política do Tesouro erra em favor da desvalorização da moeda, seus defaults são pagos por nós, os poupadores.

Mas assumindo um default mais tradicional, cabe perguntar se essa não seria uma excelente opção. Milton Friedman é famoso por argumentar que os próprios gastos do governo são o maior imposto, à medida que os governos sugam o capital limitado disponível para financiar sua gastança. Assim, se o Tesouro dos EUA derem o default, seria o governo federal, e não o americano médio, que sofreria as conseqüências.

Para entender por que, podemos considerar a Oracle, empresa tecnológica de Cupertino, na Califórnia. Embora o Oracle tenha sua sede num estado com níveis sufocantes de dívida, seria ingênuo pensar que, caso a Califórnia se torne inadimplente, o custo de capital da Oracle aumentaria. De maneira mais realista, a redução pelo governo da atratividade da Califórnia como um lugar para se investir dinheiro aumentaria a atratividade de crédito de uma empresa blue-chip como o Oracle, em conjunto com a de qualquer outra empresa conhecida por tratar bem o capital que lhe é confiado.

Atualmente, a economia dos EUA certamente sofre com a ânsia dos governos federal e estadual em contrair todo tipo de dívida para atividades que não estimulam o crescimento econômico real. Portanto, se um default federal tornar mais difícil para o Tesouro a tarefa de levantar dinheiro nos mercados de capitais, esse dinheiro, ainda assim, teria que fluir para algum lugar. É fácil argumentar que encontraria usos mais produtivos fora de Washington.

Para provar isso, precisamos olhar apenas para a economia mundial no pós-Segunda Guerra. Segundo Reinhart e Rogoff, os anos após a guerra foram os mais notáveis em termos de default na história do mundo moderno, com países que representam 40% do PIB mundial quer em default, quer em reescalonamento.

No entanto, as economias dos países outrora devastados pela guerra, como Japão, Alemanha e França, cresceram com grande entusiasmo nos anos do pós-guerra. Presumindo um outro período de ceticismo do mercado de capitais no que se refere à dívida pública, o mesmo pode ocorrer novamente.

Conclusão. Desde que existem mercados de capitais profundos, capazes de financiar as necessidades dos governos, tem havido defaults da dívida levantada pelos governos. Durante esse tempo, os investidores têm sido compensados em diferentes graus quanto aos riscos que assumiram.

Infelizmente, a inflação na era pós-Bretton Woods deu aos governos outra forma de reduzir suas dívidas, e poupadores de todo o mundo têm sofrido, para não falar dos empresários e daqueles ansiosos para trabalhar para eles. Deve-se ressaltar que a desvalorização é simplesmente uma forma mais sutil de default, uma que os EUA tem usado com grande vigor nas últimas quatro décadas.

Em contrapartida, o default de governos, no sentido tradicional, não é algo que devemos temer. Os governos podem gastar apenas o que tributaram ou tomaram emprestado do setor privado em primeiro lugar. Por isso, enquanto um default certamente queimaria investidores dependentes de renda fixa paga à custa dos contribuintes, serviria como um impulso para a economia privada, graças ao regime forçado pelos investidores sobre o governo, em favor de iniciativas que fomentem o crescimento no setor privado.

Até agora, os políticos dos EUA não mostraram nenhuma disciplina nos gastos, qualquer que seja o partido no poder. Nesse caso, se a disciplina do mercado se mostrar a única cura para a doença da gastança, então devemos abraçar, sem reservas, a causa de um default padrão pelos EUA.

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