James Grant
Editor de Grant’s Interest Rate Observer e autor de "O Dinheiro da Mente".
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Postado por Marco Aurélio
Ao divulgar um plano para criar, do nada, USD 600 bilhões, com o intuito de ajudar a economia que ainda se econtra em processo de desabamento, o Federal Reserve acabou revelando o interessante fato de que dólares podem ser criados do nada. Na era digital, você não precisa nem de uma máquina de impressão.
Isso aconteceu no dia 3 de novembro. Um clamor de protesto generalizado se seguiu ao anúncio, junto com um enfraquecimento da taxa do dólar e um aumento vertiginoso do preço do ouro. E quando, segunda-feira passada, o presidente do Banco Mundial sugeriu, de forma quase tímida, que poderia haver um lugar para o ouro no atual regime monetário internacional, os economistas ficaram tão aturdidos que um silêncio sepulcral tomou conta do cenário financeiro-econômico mundial.
Deixemos que os economistas fiquem de queixo caído: o padrão ouro clássico, aquele que vigorou entre 1880 e 1914, é o remédio que o mundo requer neste momento. Em sua utilidade, economia e elegância, nunca houve um sistema monetário parecido.
O modelo era a simplicidade em pessoa. As moedas nacionais eram lastreadas pelo ouro. Quem não gostasse da moeda nacional, emitida pelos governos, poderia trocá-la por moedas de ouro, fortes, amarelas e brilhantes (o dinheiro era "forte" se tilintasse ao cair contra um balcão). As fronteiras eram abertas e o dinheiro, errático. Ia aonde seria bem-tratado. Nos países que adotavam o padrão-ouro, os orçamentos do governo eram, de forma geral, bem-equilibrados. Os bancos centrais tinham a função pública exclusiva de trocar papel por ouro e ouro por papel. O público decidia qual dos dois queria.
"Não dá para voltar", contestam os banqueiros centrais de hoje, antes de acrescentar: "E nem devemos". Parecem esquecer que estamos sempre indo e voltando quando o assunto é dinheiro, porque nada nesse domínio é novidade. A"flexibilização quantitativa" (quantitative easing), também chamada "impressão de dinheiro”, é tão antiga quanto o próprio tempo. Os responsáveis pela elaboração da Constituição dos Estados Unidos, lembrando bem a produção em excesso do dólar Continental, emitido para financiar a guerra de independência dos EUA contra os colonizadores ingleses, definiram dinheiro como sendo "moeda." "Criar dinheiro" e "regular seu valor" passou a ser uma atribuição do Congresso, unida na mesma frase da Constituição com a atribuição de estabelecer "o padrão de pesos e medidas". Durante a maior parte dos próximos 200 anos, o dólar foi, para todos os efeitos, definido como um peso de metal. A era exclusiva do papel não começou até 1971.
O Federal Reserve foi criado em 1913 - por coincidência, o último ano completo do padrão ouro original. (Variações de menor sucesso se seguiram nos anos de 1920 e 1940; não mais foi permitido simplesmente exigir ouro em troca de papel, ou vice-versa).
No início, o Fed era um banco central do padrão ouro. Não poderia ter criado dinheiro do nada mesmo que quisesse, já que o valor do dólar era fixado, por lei, como um sendo 0,2067 onças de ouro.
O Fed também não estava preocupado com a gestão da economia nacional. 65 anos mais tarde, no final dos anos de 1970, o Fed teria sido irreconhecível para os homens que determinaram a sua criação. Agora o Fed era responsável tanto por garantir o pleno emprego quanto pela estabilidade dos preços.
Hoje, as centenas de Ph.D.s empregados pelo Fed fazem pesquisa nas fronteiras da ciência econômica. "O Modelo de Dois Períodos de Desatenção Racional: Acelerações e Análises" é o título de um dos estudos recentemente produzidos por um grupo de seus especialistas em política monetária. "Extração Temporal Contínua de um Sinal Não-Estacionário, com Ilustrações em Filtragem Contínua de Passe Baixo e Transpasse" é outro. Não se pode culpar os autores desses trabalhos por preferirem a vida que levam atualmente, ao invés das carreiras que teriam sob um autêntico regime de padrão ouro. Ao invés de escrever monografias uns para os para outros, estariam atrás de um balcão trocando ouro por papel e vice-versa.
Mas, se parassem para pensar, os economistas – que são obviamente inteligentes – aceitariam com prazer a oportunidade de trabalhar ao balcão. Porque uma moeda conversível é um sofisticado sistema independente de informação. Ao optar por mantê-la, ou o ouro por trás dela, as pessoas dizem ao banco central se emitiu dinheiro em excesso, ou então muito pouco. É a democracia em dinheiro, ao invés da ditadura dos mandarins.
Hoje, são os mandarins do Fed que decidem que taxa de juro será imposta, bem como o volume de moeda a ser criado do nada.
O Banco da Inglaterra já teve uma experiência infeliz com esse jeito de operar. Para lutar as guerras napoleônicas do início do século 19, a Grã-Bretanha trocou sua libra de ouro por notas promissórias (scrip), o banco teve de decidir unilateralmente quantas libras seriam impressas. Sem a informação proporcionada pelo padrão ouro, imprimiram uma quantidade excessiva. Uma grande inflação foi o resultado.
Mais tarde, um inquérito parlamentar determinou que nenhuma instituição deve voltar a ser dotada de poderes como a suspensão da conversibilidade do ouro, a qual havia sido jogada nas costas dos diretores do banco. Esses diretores tinham ótimas intenções, os deputados concluíram, mas até mesmo o conhecimento mais minucioso sobre a economia britânica, "combinado com a ciência profunda em todos os princípios do dinheiro e da circulação," não seriam suficientes para que alguém calculasse a quantidade exata de dinheiro demandada pelas "necessidades do comércio".
O mesmo acontece agora no Fed. Seu presidente, Ben Bernanke, e seus comparsas recentemente decidiram que muito mais dinheiro deve entrar em circulação. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (Consumer Price Index), que está apresentando ganhos anuais de menos de 1,5%, os preços estão essencialmente estabilizados.
Reinstituir um padrão ouro moderno hoje levaria tempo, também. Os Estados Unidos teriam primeiro que convocar uma conferência monetária internacional. Ben Bernanke, humilhado, teria que anunciar que, na verdade, não é capaz de prever o futuro e que precisa da informação que a conversibilidade do dólar forneceria.
Uma vez concluída a fase da mea culpa, os delegados poderiam se dedicar ao trabalho técnico de propor uma taxa de conversibilidade entre o ouro e o dólar (provavelmente seria ainda mais alta do que o preço atual do ouro, a fim de incentivar mais exploração e produção).
Outros países, atordoados, seriam obrigados a seguir o exemplo. O principal, Bernanke teria que afirmar de forma enfática, seria a criação de um sistema monetário que sincronizasse as economias nacionais, ao invés de afastá-las.
Se o padrão-ouro clássico em sua forma do início do século 20 não pudesse, no final das contas, ser teleportado para o século 21, haveria bastante margem para adaptação e, talvez, para melhoria. Seria interessante ver o autor de "O Modelo de Dois Períodos de Desatenção Racional: Acelerações e Análises" tentar.
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