quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Teoria e Prática da Re-Inflação

Entrevista com Eric Janszen, autor de A Economia Pós-Catástrofe: Reconstruindo a América e Evitando a Próxima Bolha.

Postado por Marco Aurelio

“Na teoria, o balanço do Federal Reserve pode ser expandido infinitamente."
-- Alan Greenspan, 2005

"Se os fatos não batem com a teoria, mude os fatos."
-- Albert Einstein

CI: Vamos começar com o item de maior urgência: que diabos está acontecendo com o ouro? Será que estamos vendo a "Grande Volatilidade" sobre a qual você vem avisando desde 2001, aquela que indicaria o fim do mercado em alta (bull market) para o ouro?
EJ: Não é um "bull market". A idéia de bull market e bear market é idiota, é um produto-conceito de vendas criado por Wall Street. Esqueça isso. Os mercados são um campo de batalha. A briga é por dinheiro. As armas são a informação e o controle da informação. O que determina o vencedor é o poder de compra, quem está aumentando o tanto que tem e quem está perdendo, por meio dos impostos, da desregulamentação, dos subsídios, da inflação ou da alavancagem. O resto é não interessa. Tendo dito isso, não, eu não acho que a volatilidade dos preços do ouro e da prata da semana passada indica que a subida do preço do ouro da última década acabou. É a mesma história, embora a hora do espetáculo esteja mais perto.

CI: Hora do espetáculo?
EJ: Compramos ouro em 2001 porque achávamos que os bancos centrais mundiais estavam protestando demais sobre a inutilidade do ouro como um ativo monetário; disseram que o ouro não tinha valor e, mesmo assim, ainda detinham mais de 20% de todo o ouro já produzido na história. Imaginamos que estavam armando um hedge contra a falha potencial de uma grande experiência, de uma moeda de reserva com base no dinheiro da dívida de um único estado soberano, os EUA. A Guerra do Iraque em 2003 e o colapso dos mercados de crédito global em 2008, devido a uma avaliação errônea e, portanto, uma precificação errônea de títulos garantidos por ativos (asset-backed securities), forneciam provas suficientes para os membros do Sistema, como Greenspan costumava chamá-los, de que o país emissor dessa moeda de reserva não é apenas sistemicamente corrupto, como o é qualquer plutocracia, mas venalmente corrupto, nas palavras de Simon Johnson – um país dirigido por uma oligarquia financeira. Não se pode confiar nos EUA. É preciso encontrar um arranjo monetário alternativo. Esse foi o motivo do empurra-empurra nas vésperas do G20 na semana passada. Fazendo uma leitura do balão de ensaio do Banco Mundial sobre o uso do ouro em um novo arranjo monetário, da observação não-autorizada do Volcker sobre os perigos do QE2 e da afirmação de Greenspan de que os EUA estão intencionalmente desvalorizando o dólar como uma ferramenta de reflação, fica claro até mesmo para um observador qualquer que o papo mudou de vez. As tensões são grandes e tudo pode acontecer.

CI: Como foram os movimentos da semana passada do preço do ouro, resultantes do G20?
EJ: Pura especulação, mas parece que houve uma escalada de USD 50 a caminho da reunião, à medida que o mercado precificava a discórdia entre os membros do G20. Então vimos dois ataques sincronizados contra o preço do ouro e da prata durante a semana passada, um antes da reunião de 9 de novembro e outro durante a reunião de 12 de novembro. Conseguiram raspar 4% do preço de USD 1.421 – o pico no preço do ouro.


Já vi essas mudanças coordenadas nos preços do ouro e da prata muitas vezes ao longo dos anos, como ocorreu em 22 de junho de 2008, quando o ouro caiu de USD 904 a USD 875 e a prata, de USD 17,30 para USD 16,50.


CI: O que essas quedas coordenadas nos preços do ouro e da prata podem significar?
EJ: Pode ter certeza que a compra e venda programáticas de fundos são responsáveis, mas eu estou confortável com a conclusão a que chegamos quando estudamos o caso em junho de 2008: ninguém sabe ao certo. A única certeza é que não há relevância a longo prazo. Se você acha que um sistema monetário e de comércio global quebrado, e que vem quebrando há dez anos, será corrigido em algumas reuniões entre a turma de MBAs de Harvard, então, por favor, venda ouro e compre ações.

A imprensa de Wall Street relatou a queda de 4% com manchetes como "Chacina no Mercado de Ouro". Vamos, mais tarde, comparar a chacina no ouro com a do mercado de ações este ano.

 
Razão do preço do ouro médio mensal / média mensal do S&P 500

O ouro subiu 20% em 2010, comparado com 5% para o S&P500, numa média mensal. Grande chacina... Essa tabela será atualizada para o nosso relatório de final de dezembro, onde vou repassar minhas previsões para o ouro e o mercado de ações para 2010, um ano de reflação pós-recessão.

CI: Você disse que tinha uma atualização do gráfico de 10 anos.
EJ: Aqui está. 2010 vai marcar o décimo ano consecutivo de ganhos no preço do ouro.


Média mensal do preço do ouro versus média mensal S&P500 (janeiro de 2001 a novembro 2010)

Mas o que é um "hedge"?
 
CI: Não se esperaria que o ouro superasse o desempenho das ações no longo prazo.
EJ: O mais estranho sobre o desempenho da nossa carteira de ouro e de obrigações do Tesouro americano é que o ouro e títulos do Tesouro são considerados um hedge contra saques em ativos-base, especialmente ações, mas os hedges supostamente de curto prazo superaram o ativo principal que deveriam estar protegendo. Nós temos só os hedges, e não os bens que deveriam proteger.

CI: Se o desempenho do ouro foi muito melhor este ano do que o esperado, o que nos aguarda para o próximo ano?
EJ: Tenha em mente que o principal motor para o preço do ouro em 2010 foi a reflação, e o principal motor da reflação foi a depreciação do dólar, que deixou p*utos da vida a China, o Brasil e o resto do G20 antes das reuniões da semana passada.

CI: Então não há uma grande correção do ouro a caminho?
EJ: Eu não disse isso. Desde 2001 sobrevivemos a duas correções importantes do mercado de ouro, uma em 2006 e outra em 2008. Não emitimos um alerta de preço para o ouro desde 5 de março de 2008, quando o ouro era negociado a USD 974. Naquela época, em Gold Update: The small trade within the big trade, avisamos que uma correção de USD 200 estava por vir. A correção começou duas semanas mais tarde, depois que os preços do ouro passaram brevemente a marca dos USD 1.000.


Desde 2001, o preço do ouro mostrou quatro tendências distintas de crescimento, como mostrado acima.

A. 2001 - 2006: trade de desvalorização da moeda e da inflação graduais no pós-bolha.
B. Primeiro semestre de 2006: Comércio especulativo rápido.
C. Primeiro semestre de 2006 a 2007: Reinício da desvalorização cambial e do trade gradual da inflação.
D. 2007 - Presente: Novo trade especulativo rápido.

No final das contas, a correção foi mais profunda do que eu esperava, mais perto de USD 300 a USD 200, caindo até USD 712 em outubro, refletindo o impacto do colapso global dos mercados de crédito privado em investimentos não-denominados em dólar, antes da reflação econômica e socorro aos bancos (bailouts) começarem para valer. Aqui está o gráfico atualizado até hoje.



Duas correções importantes preço do ouro durante a escalada de dez anos

O gráfico mostra a correção que previmos para março de 2008 e que, de fato, começou naquele mês. A escalada durante a reflação de hoje atravessou a temporada de eleições nos EUA e também a reunião do G20. Com 20% de ganhos até agora este ano os preços do ouro estão muito à frente do aumento de 4% eu previ em janeiro.

CI: Você acha que as duas correções do preço do ouro, "A" e "B", em 2006 e 2008, respectivamente, podem ser seguidas por uma terceira, "C", em breve?
EJ: Bem, está chegando a hora de alguém cometer uma burrice. Como os governos se colocaram num canto apertado, as únicas saídas são ou aguentar a dor ou então derrubar a parede para tentar escapar.

As defesas contra a deflação de dívidas dos EUA, ou seja, a desvalorização da moeda e a flexibilização quantitativa (quantitative easing), estão criando uma crise de entrada de capitais e de inflação para a Europa, Ásia e América Latina.

As conseqüências domésticas de não cancelar as dívidas da Era da Bolha de Crédito são o alto desemprego crônico e políticas inflacionárias para fechar o chamado Hiato do Produto (Output Gap), que têm o efeito de elevar a inflação nas economias dos parceiros comerciais dos EUA. Não dá para mundo conseguir o que quer.

CI: E quanto a sua previsão para dezembro de 2010, de que o índice Dow Jones chegaria a 7000-8000 até o final do ano?
EJ: Não parece que será o caso.

CI: Mas o índice realmente chegou ao pico perto de 11.000, como você havia dito.
EJ: Certo. A questão era, qual a altura que seria atingida no Segundo Salto da Deflação da Dívida deste mercado em baixa (bear market)? Errei por quatro meses quanto ao momento do fim do primeiro salto. Terminou em abril de 2010, não dezembro de 2009. Ainda vejo um DJIA no intervalo de 7000 a 8000, mas talvez isso leve alguns meses a mais, comparado com o que calculei em janeiro. A questão para as ações é a política de reflação. O impasse no novo Congresso, dividido entre democratas e republicanos, não vai permitir que se realizem cortes, mas também não haverá programas de estímulo, a menos que haja urgência. Um colapso da bolha da China pode criar essa urgência. Vamos ficar de olho nessa questão.

CI: Você acha que devemos ter outra correção no preço do ouro, como aconteceu em 2008?
EJ: Não como em 2008. A estrutura dos mercados de crédito privado não chega nem perto do que era em 2008. Ninguém é tão burro hoje. Ninguém acredita que as agências de rating dos EUA são independentes. Basta ver o mercado de títulos comerciais garantidos por ativos (asset-backed commercial paper).


Ninguém acredita que um título de agências do governo, como Freddie Mac ou Fannie Mae, é "livre de risco". O mesmo vale para uma obrigação do Tesouro dos EUA. Não há risco de default, mas o risco de inflação está presente. Hoje Greenspan alerta de forma aberta sobre isso.

CI: Como o mundo mudou em três anos! Será que a "austeridade" é a próxima onda de política governamentais que vai derrubar os preços das commodities?
EJ: A alavancagem está agora nos balanços públicos, não nos privados, então um repeteco de um impulso deflacionário como em 2008 não é provável. Foi o máximo de "deflação" que veremos pelo resto de nossas vidas. Mas é importante distinguir entre os EUA e a União Européia. Os gestores de fundos podem esperar que as assim-chamadas medidas de "austeridade" reduzam os riscos de crédito soberano ao longo do tempo, mas acho que todos os esforços para cortar gastos do governo de curto prazo serão frustrados pelos custos crescentes da energia a longo prazo, dado o aperto dos altos preços das commodities, o pagamento de dívidas e os baixos salários, que sufocam a classe média americana. No momento, o risco de crédito soberano na Europa é pior do que o dos EUA.


Isso está ajudando a empurrar a rentabilidade das obrigações do Tesouro dos EUA para baixo.

CI: Qual a profundidade possível de uma correção no preço do ouro?
EJ: Podemos ver uma correção de até 20% nos próximos 12 meses, mas fico relutante em dizer isso porque, ao contrário do aviso em março de 2008, o motor desta vez não é tão claro, nem tão certo. Francamente, é baseado em pouco mais do que intuição.

CI: Algo incomoda você?
EJ: Os bancos centrais odeiam ouro a preços elevados. Faz com que pareçam incompetentes. Num mundo perfeito, na visão dos banqueiros centrais, os preços do ouro deveriam ter caído de USD 35 para USD 7,50 após 1971, quando o ouro foi desmonetizado. Mas o que aconteceu é que disparou para USD 850. Durante 16 anos, de 1987 a 2003, o sistema funcionou muito bem, mas mesmo que os bancos centrais não estejam subordinados a governos nacionais, devem certamente prestar contas a eles. A Guerra do Iraque começou a dissolver essa relação estreita. Quando os EUA levaram o sistema financeiro global à falência em 2008, foi a gota d'água para muitos líderes mundiais.

Neste momento, existem numerosos estopins potenciais para a próxima grande correção nos preços do ouro e das commodities. Primeiro, podem forçar os EUA a interromper sua desvalorização da moeda – esse é um deles. A implementação de fato de austeridade nos EUA é outra. Para mim, a probabilidade de isso ocorrer é de quase zero. A austeridade, como observei no início do ano, é uma promessa de campanha para você se eleger. Nenhum político quer cortes de gastos significativos durante o seu mandato, se for possível evitar tal coisa. Outra possibilidade é a percepção de que a guerra cambial que começou em 2001, mas só foi chamada assim publicamente este ano - pelo Brasil - pode estar chegando ao fim. Não é o caso, mas a correção do preço do ouro, imediatamente antes e durante o G20, provavelmente reflete a especulação e vazamentos de informação que poderiam ser tomados como indícios de que um novo sistema monetário está próximo. O ouro disparou antes da reunião com as notícias da discórdia e pode estar passando por uma correção com rumores sobre cooperação entre países, especialmente o que parece ser concessões pelos EUA no sentido de interromper o processo de levar seus parceiros comerciais à pobreza. Os fundos estão negociando com base em boatos. O ouro é um barômetro da discórdia entre bancos centrais. Dado que o G20 terminou sem qualquer resolução para os conflitos do comércio e da moeda, se os preços do ouro subirem na segunda-feira, teremos então a nossa resposta.

CI: O que você acha da declaração de Greenspan, feita no dia antes do início do G20? Ele disse que os EUA estavam seguindo "uma política de enfraquecimento da moeda".
EJ: Os comentários do Greenspan, que não é a minha pessoa favorita, foram seguidos pelos comentários não-autorizados de Volcker sobre a eficácia do QE2, afirmando o óbvio: que os EUA estão usando a desvalorização da moeda não só para aumentar as exportações, mas, como já advertimos há anos, para adiar a deflação da dívida ou escapar de uma armadilha de liquidez usando um truque infalível.

CI: Truque infalível?
EJ: Essa é uma frase que leitores atentos vão se lembrar, das minhas previsões do início de 2007: haveria desvalorização da moeda. Não se trata de aumentar as exportações, como a maioria dos comentaristas acreditam hoje. Não é sobre um tentative de empobrecer seu vizinho com uma moeda fraca para impulsionar as exportações. Trata-se de deflação da dívida. Os EUA estão em uma recessão de balanço. Se os EUA permitirem que o dólar se valorize, perde a principal fonte de sinais de inflação na economia, os preços da energia e das importações. Dá até para imaginar uma reunião com apresentações de PowerPoint. Há o representante dos EUA explicando os perigos da deflação nos EUA. Há o representante da China rebatendo que o gerenciamento da deflação da dívida por meio da depreciação da moeda funcionou para os EUA em 1933, mas não estamos em 1933. Os EUA são um país devedor, e são os credores dos EUA que agora correm perigo com a política dos EUA de deflação da dívida. A China está exigindo ser paga em dólares plenamente valorizados. Queremos uma RMB mais fraco? Podemos aumentar nossas taxas de juros. Mas isso vai destruir a nossa economia, dizem os EUA. E assim por diante. Não admira que não se chega a lugar nenhum. Se os EUA cedessem, uma subida do dólar iria colocar rapidamente os EUA de volta em recessão e deflação. Com um Congresso dividido, uma nova crise será necessária para criar um consenso para implementar novas medidas de estímulo fiscal. Nessa janela de oportunidade, todos os mercados, incluindo o ouro, podem sofrer os efeitos de uma corrida rumo à liquidez. Mas, de novo, isso é tudo especulação. Simplesmente não há nenhuma maneira de saber.

CI: A quanto à história da mídia de massa de que a China pode elevar os juros para combater a inflação e que isso deve derrubar o ouro?
EJ: Talvez. Mas é por isso que é um desperdício de tempo tentar entender os movimentos dos preços do ouro no curto prazo. Se, de fato, a China elevar as taxas e destruir sua economia em sua segunda tentativa de encolher sua bolha imobiliária, até que ponto o ouro vai cair antes que comecem novas medidas de reflação? USD 1.200? USD 1.000? E que efeito essas medidas vão ter? Vão empurrar o ouro para USD 2.000? USD 5.000?

CI: Algumas palavras finais sobre o ouro?
EJ: Nos últimos dez anos, o preço do ouro teve a ver com quem ganha e quem perde o próximo lance do Grande Jogo. Aceite a ambigüidade. Procure anomalias e contradições no enredo contado, em alto e bom som, pela maioria dos analistas.


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