sábado, 13 de novembro de 2010

O Petróleo e o Fim da Globalização

Economista-chefe da CIBC World Markets durante 20 anos. Foi um dos primeiros economistas a prever com precisão o aumento dos preços do petróleo em 2000 e é agora um dos mais renomados especialistas em energia do mundo.

Transcrição de uma apresentação na 2010 Peak Oil Conference
ASPO-EUA


Postado por Marco Aurélio

Conhecer a natureza de uma doença é, de maneira geral, um primeiro passo essencial para se encontrar uma cura. Isso vale também para a atual recessão. Conhecer a verdadeira natureza de uma recessão ajuda imensamente a evitar que se caia em outra. Especialmente quando a recessão da qual estamos saindo é também a mais profunda registrada no período pós-guerra.

Diz a sabedoria popular, e também os bancos centrais, ministros da fazenda e os especialistas na TV, que a recessão que estamos vivenciando aqui nos Estados Unidos – na verdade, no mundo inteiro – foi causada por uma crise financeira, com raízes no malfadado mercado de hipotecas subprime dos Estados Unidos. Em outras palavras, um monte de casas abandonadas, retomadas pelos bancos, mas invendáveis, em mercados imobiliários deprimidos em lugares como Cleveland, Ohio, todas financiadas com crédito fácil e hipotecas subprime, desabaram sobre os mercados financeiros como uma espécie de bomba de hidrogênio tóxica. E aí, de repente, um crash no mercado imobiliário dos EUA de alguma forma se metamorfoseou em uma recessão global profunda.

Cara, eu não sabia que Cleveland era grande assim. Ninguém precisa me falar sobre o impacto do mercado de hipotecas subprime sobre os mercados financeiros. Por que vocês acham que minha única ocupação agora é escrever? Mas há uma grande diferença entre detonar os bônus de fim-de-ano de um banco de investimentos – ou seja, de detonar Wall Street – e aquilo que de fato aconteceu.

Se você está pensando por que instituições avessas ao risco como o banco onde eu trabalhava tiveram que dar baixa em quase USD 10 bilhões de ativos, incluindo coisas como CDOs financiados por pools de hipotecas subprime, então a razão fica clara: é porque a nota desses instrumentos era AAA, o que quer dizer que as rating agencies atribuíram um risco de default igual ao risco do Treasury americano dar default. Os bancos esqueceram o modelo pelo qual as rating agencies são pagas – não pelos investidores adquirindo os CDOs, mas por quem emite esses papéis. Em economia, chamamos isso de moral hazard. Nos bancos de investimento, quando isso acontece, temos uma expressão técnica para designar o ocorrido: fudeu.

É fácil entender como as hipotecas subprime detonaram Wall Street. É um pouco mais difícil vê-las como as responsáveis pela recessão global. Por que houve economias que não tinham hipotecas subprime que tiveram uma recessão muito mais profunda do que a americana? Por que essas economias entraram em recessão antes mesmo da economia americana entrar em recessão? Talvez – digo apenas talvez – houvesse algo mais importante acontecendo. Mais importante para a economia global do que Wall Street ou hipotecas subprime, algo como o fato de um barril do petróleo custar USD 147, por exemplo. Se tem uma coisa que aprendemos ao observar a economia global nos últimos 40 anos, é isto: dê a ela petróleo barato e as coisas correm bem. De repente, mude para petróleo caro e ela pára na mesma hora.

Todas as principais recessões do pós-guerra levam as impressões digitais do petróleo. O primeiro choque do petróleo, em 1973, levou ao que foi, na época, a mais profunda recessão do pós-guerra. O segundo choque da OPEP levou a nada menos do que duas recessões: 1979 e 1982. E quando o Saddam Hussein invadiu o Kuwait, em 1990, e deixou metade de seus campos petrolíferos pegando fogo, levando o petróleo ao preço, à epoca inédito, de USD 40 por barril – quando isso ocorreu, eis que o mundo industrializado caiu novamente em recessão.

Puxa, o que será que aconteceu com os preços do petróleo antes da atual recessão. Parece-me que o petróleo foi de uns USD 30 por barril, no começo de 2004, para quase USD 150 por barril em 2008. Mesmo em preços reais, ou seja, descontando a inflação, esse aumento de preço foi duas vezes o aumento de preço tanto no primeiro quanto no segundo choques do petróleo. Se esses choques anteriores leveram a recessões devastadoras, por que então o maior choque de petróleo de todos não seria claramente culpado por aquilo que tem sido a mais profunda recessão registrada até o momento.

Há muitas maneiras pelas quais os choques de petróleo criam recessões globais. Primeiro, pela transferência de renda. Quando o petróleo foi de USD 30 por barril para USD 147 por barril, mais de USD 1 trilhão de renda foi transferida do mundo industrializado, consumidor de petróleo, para a OPEP. Isso não saiu de graça para a economia, porque as taxas de poupança de onde vinha o dinheiro, como era o caso nos EUA, eram de virtualmente 0%, o que significava que os consumidores gastavam tudo que ganhavam. E nos lugares para onde o dinheiro ia, lugares como a Arábia Saudita ou o Kuwait ou os Emirados Árabes Unidos, a taxa de poupança chegava a níveis de 50%. Então certamente e efeito de demanda não foi neutro.

Preços altos também criam recessões por meio de um crowding out sobre gastos não-relacionados a enegria. Há dois anos, quando a gasolina custava USD 4 por galão, os americanos de baixa renda pagavam mais para encher os tanques do que para encher a barriga.

Mas, de longe, o mecanismo mais importante pelo qual os preços do petróleo causam uma recessão é por meio do seu impacto sobre a inflação, e por meio do seu impacto sobre as taxas de juros.

Não falta gente para culpar pelo crise has hipotecas subprime. Poderíamos começar com as empresas de hipotecas fraudulentas que aprovaram os pedidos de hipotecas e rapidamente as venderam a instituições financeiras. Podemos culpar as instituições financeiras, que brincaram de roleta russa com o dinheiro dos correntistas. E, é claro, podemos culpar as rating agencies, que deram um selo AAA a coisas desse tipo. E podemos culpar os reguladores, que deveriam estar fiscalizando mas dormiram durante a coisa toda. É o caso da SEC (Securities Exchange Commission) dos EUA, que se mostrou ou cega ou indiferente ao risco sistêmico apresentado por Wall Street no caso das hipotecas subprime.

Mas o verdadeiro culpado pelas hipotecas subprime foi o custo de capital baixíssimo e as taxas de juros a 0%. Toda a ganância do mundo não poderia ter feito o que o dinheiro fácil do Fed tornou possível. As taxas de hipotecas subprime foram criadas pelas taxas de juros e o mercado de hipotecas subprime foi detonado pelas taxas de juros. Todos concordam com isso. O que ninguém pergunta é, “Por que as taxas de juros foram de 1% para 5,5% entre 2004 e 2006?”.

Bem, qualquer banqueiro central, até mesmo o Alan Greenspan, reconheceria que o seu custo de captação é uma imagem no espelho da taxa de inflação. O Fed tinha uma taxa de 1% como meta em 2004, porque tínhamos uma taxa de inflação de 1%. De repente, em 2006, a inflação passou para mais de 5,5%, o nível mais alto alcançado nos EUA desde, por uma incrível coincidência, 1991, quando, por um acaso, ocorreu o último choque do petróleo. De repente, o dinheiro não era mais de graça. De repente, as pessoas pararam de receber cartões de crédito, que nunca haviam solicitado, pelo correio. E de repente, as pessoas que tinham taxas de amortização negativas para as hipotecas subprime tiveram que começar a pagar 7% ou 8%.

Bom, se as taxas de juros não tivessem aumentado, isso não teria acontecido. Por que a inflação começou a subir? Praticamente todo o aumento da inflação veio de um único componente do cesto de itens que compõem o índice de preços ao consumidor nos EUA: o componente de energia. Até o final de 2006, a inflação na energia alcançava 35%, por causa de um único preço: o do petróleo. O preço do petróleo passou de 30 dólares por barril, que, aliás, todo analista de petróleo na época dizia ser o nível normal e esperado para o futuro, para mais de USD 70 por barril. Se o petróleo tivesse ficado em USD 30 por barril, a inflação nunca teria dado um salto; as taxas de juros tampouco. Toda aquela boa gente em Cleveland provavelmente ainda estaria lá, em suas casas financiadas por hipotecas de juros subprime de 0%. O Lehman Brothers e o Bear Stearns, provavelmente, ainda existiriam, e eu provavelmente ainda seria o economista-chefe do CIBC, o Canadian Imperial Bank of Commerce.

Mas não foi isso o que aconteceu. Por que os preços do petróleo subiram a USD 147 o barril, um nível que praticamente todos os economistas diziam ser impossível alcançar? Bom, há duas razões citadas pelos economistas que impediriam que os preços do petróleo chegassem à casa dos três dígitos: os sagrados princípios da oferta e da procura. Primeiro, falam da teoria da curva de oferta positivamente inclinada - os preços do petróleo mais altos aumentariam a oferta, assim como aconteceu depois dos choques do petróleo da OPEP, quando jorrou petróleo de Prudhoe Bay no Alaska e do Mar do Norte. E isso não só quebrou o abraço de morte que a OPEP mantinha no mercado, mas jogou os preços do petróleo no chão.

Infelizmente, como todos sabem, não há mais Prudhoe Bays ou Mares do Norte para ser explorados. Sim, existem areias betuminosas, e há os depósitos em águas profundas. A curva de oferta positivamente inclinada trouxe novas fontes de oferta, mas apenas a preços que, no final, significam tratar-se de petróleo que não podemos nos dar ao luxo de queimar.

E quanto ao princípio sagrado da demanda? Não seria o caso que o preço do petróleo na casa dos três dígitos destruiria demanda? Bem, sim, foi isso o que aconteceu em determinados lugares. Aconteceu nos Estados Unidos. Aconteceu no Canadá. E aconteceu no Japão, a também na Europa Ocidental. Quinze anos atrás, quando essas economias de repente reduziam seu apetite pelo petróleo, os preços caíam, porque, há 15 anos, esse países representavam quase três-quartos do consumo mundial de petróleo. Hoje, representam pouco mais da metade. Amanhã, representarão menos. Não foi o consumidor norte-americano que levou a demanda por petróleo a USD 147 barril no último ciclo, e certamente não será o consumidor norte-americano que elevará o preço de um barril de petróleo a USD 147 ou mais no próximo ciclo. Já testemunhamos o pico da demanda por petróleo na economia dos EUA e nas economias dos outros países industrializados.

Onde vocês acham que a demanda por petróleo tem crescido de maneira mais acentuada? Muitos de vocês provavelmente dirão que é na China, e de fato o crescimento lá tem sido o mais alto de todos os países. Cresceu de cerca de 2 milhões de barris por dia para cerca de 9 milhões de barris por dia. Mas eu conheço um lugar onde a demanda por petróleo está crescendo ainda mais rapidamente do que na China. E é o mesmo lugar de onde os políticos têm dito que o nosso petróleo virá no futuro. No ano passado, a OPEP, bem como dois produtores que não pertencem ao cartel, México e Rússia, consumiu 14 milhões de barris por dia. Isso equivale a quase duas Chinas.

Por que a OPEP tem tanta sede por seu próprio combustível? Bom, se você encher o tanque em Caracas, vai entender por quê. A gasolina custa USD 0,20 por galão. E em Riad, na Arábia Saudita, custa um pouco mais – USD 0,40 por galão. E custa USD 0,40 por galão sempre, quer o preço do barril esteja a USD 20, quer esteja a USD 150.

Se você acha que os motoristas estão bem em países da OPEP, sua situação nem se compara com a situação privilegiada de consumidores de energia elétrica. Qual é a melhor coisa para se fazer em Dubai? Esquiar, é claro. Adoro esquiar; afinal, sou canadense. Mas esquiar num lugar onde é tão quente que dá para fritar um ovo na calçada gasta um bocado de energia. De fato, um dia no Ski Dubai usa o mesmo tanto de energia que um norte-americano consumiria ao dirigir durante um mês inteiro. Então a questão não é realmente quanto de capacidade produtiva a OPEP tem. “Qual é a capacidade de exportação” é a questão real, e a cada ano que passa, essa capacidade é menor, porque, a cada ano, mais e mais é consumido lá mesmo, nos países produtores.

Agora, o petróleo e gás pertencem a esses países, e se eles querem consumir seu petróleo e gás esquiando num dos desertos mais quentes do mundo – bom, isso é direito deles. Só estou dizendo que, provavelmente, a oferta futura de petróleo para os países industrializados não virá da OPEP, e, provavelmente, o petróleo não vai custar pouco.

Agora, claro, os preços do petróleo caíram para USD 40 por barril durante a recessão. E, para muita gente, isso prova que os preços não tinham nada que estar na casa dos três dígitos. Mas o que muitas dessas pessoas esquecem é que, na última recessão, a demanda mundial por petróleo de fato caiu. Caiu pela primeira vez desde 1983, tamanha foi a gravidade da recessão.

O Pico do Petróleo (Peak Oil) não é um problema se a economia que o petróleo está alimentando está encolhendo. O pico do petróleo só vira um problema quando a economia começa a crescer. A primeira coisa que sabemos sobre uma recuperação econômica é que as economias começam a queimar mais petróleo. A próxima coisa que sabemos sobre uma recuperação econômica é que os preços do petróleo começam a subir. E onde estão os preços dos petróleo hoje? O petróleo está sendo negociado a mais de USD 80 o barril. Com a exceção da Alemanha e do Canadá, todas as economias do G7 ainda estão muito abaixo do nível de PIB que apresentavam antes do início da recessão.

Pegue os preços de hoje e volte três anos no tempo. Esses preços seriam um recorde mundial três anos atrás. Agora, é onde os preços se encontram, mesmo no rastro da recessão mais profunda do pós-guerra mundial. Aonde você acha que os preços do petróleo estão indo?

Vou lhes dizer aonde acho que os preços do petróleo estão indo. Mesmo na mais anêmica das recuperações econômicas, veremos os preços do petróleo na casa dos três dígitos. Veremos os preços do petróleo na casa dos três dígitos não em dez ou quinze anos. E, com certeza, não acredito que a economia global está agora melhor-preparada para lidar com essa situação do que em 2008. Agora, muita gente vai dizer, "Jeff, a história econômica nos diz que a escassez é a mãe da invenção. Com mais dez ou quinze anos de ajustamento, vamos desenvolver tecnologias alternativas, para que não sejamos dependentes do carbono".

E eles estão certos. Com mais dez a quinze anos, vamos resolver isso pelo lado da oferta. Mas como eu disse, o nosso encontro com preços na casa dos três dígitos não vai acontecer em dez ou quinze anos, mas em dez ou quinze meses. Então, ao invés de tentar transformar bosta de vaca em combustível de alta octanagem, vamos ter que aprender a deixar o carro em casa, e é exatamente isso que vem acontecendo. Em 2009, havia 4 milhões de carros a menos nas estradas do que havia no ano anterior. Nos próximos dez anos, 40 milhões de norte-americanos irão deixar os carros em casa - para sempre. A pergunta então é: "Vai ter ônibus para as pessoas usarem?”. Em vez de dar USD 40 bilhões para a General Motors, o que deveríamos ter feito é gastar USD 40 bilhões em transporte público, para que houvesse ônibus disponíveis.

Em um mundo de preços do petróleo na casa dos três dígitos, de repente a economia muda o limite de velocidade. E esse é um dos problemas que temos aqui na América – não reconhecemos que o limite de velocidade da nossa economia foi mudado. A taxa à qual a economia conseguia crescer quando o petróleo estava de USD 20 a USD 30 o barril é uma taxa bem diferente da qual a economia consegue crescer quando o preço está na faixa de USD 80 a USD 150 o barril.

E isso é algo que eu acho que o Governo não entende. Porque se tem algo que o presidente Obama não pode criar é petróleo barato. Ele consegue petróleo mais caro. Nós podemos construir um gasoduto ligando as areias betuminosas do Canadá às refinarias do Golfo do México, e podemos obter óleo assim. Mas, para obter o tipo de petróleo de que vamos precisar, o petróleo vai ter que custar mais de USD 100 – um preço que não podemos pagar. Mas a tentativa de vitaminar a economia com estímulos fiscais não é um substituto para o petróleo barato. Não vai fazer a economia crescer mais rápido. Só vai aumentar o déficit.

Pior ainda, o petróleo acima de USD 100 não apenas vai tirar milhões de carros da estrada, como também vai colocar a nossa economia bem no meio de outra recessão – a não ser, claro, que a economia mude. Não podemos fazer muita coisa sobre o petróleo na casa dos três dígitos. A curva de oferta é assim. E se você duvida, basta olhar para as areias betuminosas do Canadá. Como certeza, há 170 bilhões de barris lá, e mais 500 bilhões de barris de petróleo pesado no cinturão do Orinoco, mas não é essa a questão. O esgotamento das reservas não é apenas um conceito geológico; é, de maneira mais fundamental, um conceito econômico. Porque se o petróleo do bitúmen é extraído a um custo mais alto do aquele ao qual podemos nos dar ao luxo de queimar, não importa quantos bilhões de barris há nas areias bituminosas.

Então, como podemos nos adaptar? Como podemos crescer em uma economia com o preço do petróleo na casa do três dígitos? Vamos ter que mudar a natureza da nossa economia. Em um mundo onde o preço do petróleo está na casa dos três dígitos, a distância vai custar dinheiro. A economia global atual, onde produzimos uma coisa de um lado do mundo para ser vendida no outro lado, não faz nenhum sentido econômico. Ganha-se no varejo, mas perde-se no atacado. A arbitragem de salário, ou seja, aquilo que economizamos em mão-de-obra, será mais do que desperdiçada com a queima de combustível de navio.

É só olhar para a indústria siderúrgica, por exemplo. Pouco antes da recente recessão, algumas coisas muito interessantes estavam acontecendo nessa indústria nos EUA. Quando os preços do petróleo passaram dos USD 100 por barril, as exportações de aço chinesas para os EUA, de repente, caíram a uma taxa de dois dígitos. E, de repente, a produção de aço dos EUA deu um salto. E a US Steel Corp., que havia sido uma das companhias mais desprezadas pelo mercado, viu o preço de suas ações dobrar de repente.

O que aconteceu? Vou lhes dizer o que aconteceu. Pela primeira vez em vinte anos, ficou mais barato produzir aço nos Estados Unidos do que importá-lo de China. Por quê? Pense no que a China tem que fazer para que o seu aço chegue até você, aqui na América do Norte. Primeiro, precisa pegar o minério de ferro do Brasil, mandar através do Oceano Pacífico, transformá-lo em aço (o que é em si um processo muito intensivo em energia), e, em seguida, enviá-lo de volta, cruzando o Oceano Pacífico, para que chegue até você. Com o barril a USD 20, isso funciona. Com o barril a USD 100, isso não funciona. Essa subida no preço do petróleo acrescenta de USD 60 a USD 70 ao custo de uma tonelada de aço laminado. Quanta mão-de-obra vocês acham que tem atualmente na produção de aço? De uma hora e meia a duas horas. Os custos de transporte de repente ultrapassaram os custos trabalhistas. Quem é que sonharia, até pouco tempo atrás, que os preços do petróleo acima de USD 100 injetariam um sopro de vida nova no moribundo cinturão industrial dos EUA? Mas em um mundo onde a distância custa dinheiro, é exatamente isso o que vai acontecer.

Pegue o caso dos alimentos. No ano passado, a China exportou USD 6 bilhões em alimentos para os EUA, incluindo desde maçãs até asas de frango congeladas, dando um novo sentido à expressão “delivery de comida chinesa”. O aço não precisa ser refrigerado. Mas, espero, asas de frango congeladas precisam. O que você acha que alimenta a unidade de refrigeração dos navios? Combustível! A mesma coisa que está impulsionando o navio. Num mundo de petróleo na casa dos três dígitos, não vai importar que o trabalho agrícola seja mais barato na China do que nos Estados Unidos, porque o custo de transportar essas asas de frango congeladas até nós será muito caro.

Não é que vamos parar de usar aço na América, e certamente não vamos parar de comer. O que vai acontecer é que vamos ter que fazer o nosso próprio aço. Vamos ter que plantar mais do nosso próprio alimento. Infelizmente, muito da nossa terra agrícola foi destruída com a expansão suburbana. Assim como os preços do petróleo na casa dos três dígitos vão dar vida nova ao nosso decadente parque industrial, os preços na casa dos três dígitos vão converter os subúrbios e a periferia distante nas terras agrícolas que eram trinta a quarenta anos atrás. As mesmas forças econômicas que evisceraram nosso setor industrial, que destruíram as nossas terras agrícolas, quando o petróleo era barato e abundante, e os custos de transporte, pequenos, essas mesmas forças econômicas irão fazer o contrário em um mundo de preços do petróleo na casa dos três dígitos. E isso não é determinado pelo governo, e não é determinado por preferências ideológicas, e não é determinado pela nossa vontade ou falta de vontade em reduzir as nossas emissões de carbono. Isso é apenas a mais elementar das aulas de economia.

O preço do petróleo na casa dos três dígitos vai mudar a relação das curvas de custo. E quando mudam as curvas de custo, muda, ao mesmo tempo, a geografia econômica. Sei que o mundo do preço do petróleo na casa dos três dígitos tem sido o domínio de previsões apocalípticas. Para muitas pessoas, o advento do Pico do Petróleo e do preço do petróleo na casa dos três dígitos significa o fim da nossa economia. Para alguns, o fim mesmo da civilização como a conhecemos. Não compartilho desse pessimismo. Não concordo com essa perspectiva. Sou um economista. Acredito no poder dos preços.

Claro, se continuarmos a querer que nossas asas de frango congeladas venham do outro lado do mundo, onde o trabalho é barato, se quisermos obter o nosso aço a partir do outro lado do mundo, se quisermos dirigir mais de cem quilômetros por dia em nossas caminhonetes para chegar ao trabalho, então o Pico do Petróleo não implicará apenas uma recessão, mas também o PIB de pico, e isso será apocalíptico. Mas, como eu disse, sou um economista, e acredito no poder dos preços. Acredito que vamos mudar. Acredito que não vamos importar alimentos do outro lado do mundo, ou aço do outro lado do mundo. E não acho que estejamos comprometidos, de maneira irreversível, com a expansão suburbana.

E podemos descobrir que gostamos desse mundo novo e menor, o qual já podemos vislumbrar. Vamos descobrir que esse mundo é muito mais habitável, e muito mais sustentável, do que o mundo sujo de óleo que estamos prestes a deixar para trás.

Um comentário:

  1. Caro Marco Aurélio. Sigo neste momento o seu blogue.
    2 críticas construtivas -- espero -- Maior brevidade/síntese nos posts. Você pode afaster certo tipo de leitores do seu blogue se os posts forem muinto longos.
    Depois o conceito de Peak Oil é tão científico quanto o do aquecimeno global. Isto é nem todos os ceientistas estão de acrodo com o mesmo. Se tivermos em conta que quem promove o aquecimento global e peak oil são os eco-fascistas para mim não tenho dúvidas no que acreditar. Nesse aspecto Max Keiser presta um péssimo serviço.

    http://paraummundolivre.blogspot.com/2010/11/unica-coisa-que-ha-de-mau-no.html

    Abraço e parabéns. . .

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