segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Marcação-a-Modelo Esconde Mau Cheiro de Empréstimos Bancários Podres

Jonathan Weil
Bloomberg Opinion

17 de novembro de 2010

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Postado por Marco Aurélio
Justamente quando parecia que os bancos dos EUA estavam começando a revelar os verdadeiros valores de seus empréstimos, vem à tona o fato de que há uma lacuna na contabilidade que pode ser usada para manter as más notícias enterradas.

Desde que as novas regras entraram em vigor no ano passado, os credores têm sido obrigados a divulgar o "valor justo" (fair value) de seus empréstimos a cada trimestre. Mas os resultados têm sido um mistério. Alguns bancos mostram grandes discrepâncias entre esses números e os valores dos empréstimos em seus balanços. Outros, não.

Existe uma grande razão para isso: graças a essa brecha, os bancos não precisam seguir a mesma definição de valor justo. Meu palpite é que a maioria dos investidores não sabe disso. Muitas vezes, os credores não precisam explicar claramente a metodologia que estão usando, ou informar que os bancos podem escolher arbitrariamente. Leitores desavisados de suas demonstrações contábeis podem, assim, ser facilmente enganados.

Basta olhar para os acontecimentos recentes na Wilmington Trust Corp. Em 1º de novembro deste ano, o banco do estado de Delaware disse que iria ser adquirido pelo M&T Bank Corp. por USD 351 milhões – 46% a menos do que o seu valor de mercado naquele momento. Em agosto, Wilmington havia dito que o valor justo dos empréstimos era apenas USD 40 milhões menor do que seu valor contábil, em 30 de junho, de USD 8 bilhões.

Esperava-se que uma definição uniforme fosse dada a esse termo, “valor justo”, por um pronunciamento contábil do FASB (Financial Accounting Standards Board), emitido em 2006 – o Pronunciamento 157 (Statement 157). O FASB deviniu o fair value de ativos financeiros, incluindo os empréstimos, como “o preço que seria recebido na venda de um ativo ou pago para a transferência de um passivo em uma transação regular (orderly transaction) entre participantes do mercado na data de mensuração”. Isso é conhecido como um "preço terminal".

Números Faz-de-Conta, ou “Marcação-a-Modelo”

Wilmington não usou essa definição na divulgação dos empréstimos em sua carteira. A brecha contábil permitiu que Wilmington mostrasse uma estimativa de "preço de entrada" de quanto custaria originar empréstimos semelhantes, ao invés de quanto seus empréstimos valeriam numa venda. Isso acabou sendo mais uma “marcação-a-faz-de-conta” do que “marcação-a-mercado”. Resultado – os investidores na Wilmington foram pegos de surpresa.

Wilmington divulgou os seus planos de venda no mesmo dia em que disse que suas perdas no terceiro trimestre aumentaram de USD 5,9 milhões um ano antes para USD 365,3 milhões. Disse também que a M&T havia identificado USD 506 milhões de perdas de crédito adicionais. É inimaginável pensar que nenhuma dessas perdas pudesse ter começado a ocorrer até o trimestre imediatamente anterior. Uma abordagem que considerasse os preços terminais deveria ter dado o alerta. Um porta-voz da Wilmington, Bill Benintende, não quis comentar o ocorrido.

Credores geralmente não são obrigados a mostrar os seus créditos pelo valor justo (fair value) em seus balanços. Ao invés disso, os empréstimos são normalmente escriturados a custo amortizado, o que inclui ajustes para amortização do principal e baixas em dívidas que não se esperam receber, enquanto os números de valor justo só aparecem nas notas de rodapé.

O Inferno das Notas de Rodapé

A parte mais complicada para os investidores é decifrar o jargão técnico, muitas vezes quase indecifrável, que as empresas usam para descrever seus métodos de avaliação. Para esta coluna, analisei as notas do terceiro trimestre para todas as 24 empresas do KBW Bank Index. A maioria não diz explicitamente se está mostrando os preços terminais para os valores de sua carteira de empréstimos. Claro que, mesmo quando lançam mão da brecha contábil, isso não significa necessariamente que têm algo a esconder.

A brecha para divulgações de valores de empréstimos em carteira surgiu por acidente. Antes de 2006, diferentes definições de valor justo existiam em toda as normas contábeis. O FASB havia prometido que o Pronunciamento 157 traria "uma definição única" da expressão, proporcionando uma maior consistência nas avaliações das empresas.

Mas o FASB esqueceu-se de alguns pontos, incluindo um ponto relacionado ao seu pronunciamento sobre valor justo para instrumentos financeiros. Essas regras mostram duas abordagens para empréstimos, uma das quais ainda usa uma definição pré-2006 para valor justo. A exceção vale até hoje. (Antes do ano passado, tais divulgações em notas de rodapé eram exigidas apenas anualmente, e não a cada trimestre).

Risco de Supressão

Sendo mais específico, a brecha permite que as empresas estimem o valor dos empréstimos "descontando os fluxos de caixa futuros utilizando as taxas atuais às quais empréstimos semelhantes poderiam ser feitos a tomadores com notas de crédito semelhantes e para os mesmos vencimentos". Essa é a abordagem que Wilmington utilizou, de acordo com dados divulgados pelo banco. Ao contrário dos preços terminais, essa abordagem não inclui alguns fatores, tais como o risco de liquidez.

Compare isso com as divulgações da Regions Financial Corp. Regions disse que sua carteira de crédito valia USD 69,1 bilhões em 30 de setembro, 12,8% inferior ao valor contábil em seu balanço. Disse que seu método "pressupõe a venda dos créditos a um investidor externo".

Em outras palavras, a Regions indicou um preço terminal. SunTrust Banks Inc. e Bank of America Corp. também procederam assim. SunTrust disse que sua carteira de crédito valia 4,8 por cento a menos do que o seu valor contábil de USD 112 bilhões. Bank of America disse que seus créditos valiam pouco menos do que o seu balanço mostrou. JPMorgan Chase & Co. disse que o valor justo dos seus empréstimos era alguns bilhões de dólares maior. Os números do JPMorgan pareciam um preço terminal. Um porta-voz da empresa, Joe Evangelisti, não quis comentar.

Que Tipo de Divulgação É Esse?

Commerce Bancshares Inc. e People's United Financial Inc. mostraram os assim-chamados valores justos que iam além dos montantes contábeis de seus empréstimos. Ambos também expressamente revelaram que não indicaram os preços terminais. Não há como dizer o quanto os empréstimos valeriam se fossem vendidos. Mas, pelo menos, essas empresas estão jogando aberto.

Citigroup disse que seus créditos valiam 2,5% a menos do que seu valor contábil de USD 608,2 bilhões, conforme determinado em 30 de setembro. Não consegui descobrir, ao analisar suas demonstrações, se se tratava de um preço terminal. Uma porta-voz da empresa, Shannon Bell, se recusou a dizer.

As divulgações de empréstimos da Wells Fargo & Co. não mostram preços terminais, diz Mary Eshet, uma porta-voz da empresa. Wells disse que o valor justo dos seus empréstimos era de USD 10,3 bilhões a menos que seu valor contábil de USD 716,6 bilhões. Eshet se recusou a dizer se um preço terminal teria mostrado um valor maior ou menor.

A FASB precisa fechar essa brecha imediatamente.

(Jonathan Weil é colunista da Bloomberg News. As opiniões expressas são suas.)

Para contactar o escritor desta coluna:
Jonathan Weil em Nova York
jweil6@bloomberg.net

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