domingo, 14 de novembro de 2010

Ouro: A Moeda Global do Mercado

Robert Murphy, Ph.D.
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Postado por Marco Aurélio

(11/13/10,  Nashville, Tennessee)  O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, mexeu com um vespeiro com o seu recente apelo para um retorno a uma âncora baseada no ouro para o sistema financeiro global.

A turma de sempre imediatamente o condenou, com o keynesiano Brad DeLong sagrando Zoellick "O Homem Mais Burro da Terra".

Neste artigo, vou explicar o interesse ressurgente pelo metal amarelo.

Também vou explicar os perigos da proposta de Zoellick, e por que os fãs do padrão-ouro clássico devem ter cuidado.

As limitações da imprensa

A fim de dar sentido a nossa situação atual - e explicar os motivos pelos quais Zoellick convidaria, mesmo que timidamente, para um retorno a um padrão pseudo-ouro - é preciso primeiro pensar sobre a lógica do dinheiro fiduciário. 

A moeda fiduciária não é "lastreada" por nada; é um papel intrinsecamente inútil (ou, hoje em dia, apenas entradas contábeis num sistema de escrituração eletrônica) que tem valor graças nada mais que a seu poder de compra esperado. Em contraste, moedas-commodities de mercado, tais como ouro ou prata, são bens úteis em seu próprio direito, com fins industriais e de consumo.

A diferença fundamental entre a moeda fiduciária e a moeda-commodity é que a moeda fiduciária pode ser produzida em quantidades praticamente ilimitadas a um custo muito baixo. Assim, a pessoa que controla a imprensa de uma moeda fiduciária se encontra numa posição muito mais forte do que a pessoa que possui uma mina de ouro. Com apenas alguma tinta e papel, a imprensa pode criar um milhão de dólares novos muito facilmente, enquanto que o proprietário da mina de ouro precisaria contratar trabalhadores para operar o equipamento caro necessário para criar novas quantidades de ouro com o mesmo valor de mercado.

No entanto, não devemos concluir que o proprietário de uma imprensa tem poder ilimitado. Por um lado, os preços acabam por aumentar em resposta à criação de uma grande quantidade de dinheiro novo. Então, imprimir, digamos, USD 1 milhão em dinheiro novo iria comprar menos e menos bens e serviços a cada rodada sucessiva de inflação.

De forma ainda mais problemática, a população acabaria por abandonar a moeda, se a inflação se tornasse excessiva. Por exemplo, se um falsificador brilhante desenvolvesse uma máquina para produzir notas perfeitas de USD 100 em seu porão, ele evidentemente não seria capaz de comprar o mundo inteiro. Muito antes desse ponto - mesmo se as autoridades não o encontrassem-, as pessoas teriam abandonado o dólar e migrado para outras moedas.

Embora o nosso cenário pareça improvável, é realmente muito próximo daquilo que acontece no mundo real, agora. A única diferença é que, ao invés do nosso falsificador brilhante hipotético trabalhando num porão, temos o nosso menos-do-que-brilhante economista de carne e osso no Fed. Seu nome, é claro, é Ben Bernanke.

O sistema de Bretton Woods

O sistema original de Bretton Woods - assim chamado por causa da localização das reuniões que estabeleceram o sistema em 1944 – governou os regimes monetários internacionais no pós-guerra, até a fatídica decisão de Richard Nixon de “fechar a janela do ouro” em 1971.

No âmbito do acordo de Bretton Woods, outras nações usariam o dólar dos EUA como suas "reservas." O Banco da Inglaterra, Banco da França etc, iriam emitir suas próprias moedas nacionais, mas manter reservas de dólares americanos, com os quais poderiam regular o valor de suas próprias moedas. Se a libra esterlina britânica começasse a desvalorizar face ao dólar americano, por exemplo, o Banco da Inglaterra poderia entrar no mercado de câmbio e usar alguns dos seus dólares para comprar libras, trazendo o valor da libra de volta para dentro da faixa-alvo. Dessa forma, os investidores em todo o mundo poderiam se sentir confortáveis com os seus ativos financeiros britânicos, já que libra estava atrelada ao dólar.

Observe a posição extremamente vantajosa que o sistema de Bretton Woods atribuiu aos Estados Unidos. Como emissor da moeda de reserva mundial, os Estados Unidos tinham um mercado extremamente cativo. Se o Banco da Inglaterra quisesse aumentar suas reservas em dólar em mais USD 1 milhão, em última análise a Grã-Bretanha teria que vender USD 1 milhão em bens e serviços para os americanos, a fim de ganhar os dólares. O sistema de Bretton Woods efetivamente abriu o escopo da inflação dos EUA para o mundo inteiro, assim ampliando os benefícios para aqueles que controlavam a imprensa americana.

Naturalmente, os outros membros do sistema de Bretton Woods compreenderam esses detalhes. Os EUA atingiram esse resultado privilegiado nas negociações por causa do seu poderio econômico e militar naquele momento da história mundial. Mas, para conter a tentação natural das autoridades dos EUA de criar uma inflação descontrolada, o sistema de Bretton Woods ligou o próprio dólar ao ouro. De forma mais específica, qualquer banco central poderia resgatar seus dólares em ouro a uma taxa fixa de 35 dólares por onça.

O sistema de Bretton Woods tem sido descrito como um "padrão ouro-câmbio," em contraste com o padrão ouro clássico. Em sua formulação original - que foi destruída, assim como muitos outros aspectos da civilização ocidental, na Primeira Guerra Mundial - cada nação ligava a sua própria moeda ao ouro. Então as moedas, por sua vez, eram negociados a taxas de câmbio fixas umas às outras, por causa de seus laços mútuos com o ouro. Os cidadãos podiam apresentar as moedas para resgate em ouro, mantendo um controle bastante acirrado sobre a inflação. Se qualquer banco central começasse a emitir moeda em excesso em relação a suas reservas de ouro, os especuladores começariam a esgotar essas reservas, fazendo com que o banco central rapidamente mudasse o rumo.

Sob o sistema de Bretton Woods diluído, os cidadãos não tinham o direito de resgatar o ouro. A maioria das moedas era ligada apenas indiretamente ao ouro (por meio de sua ligação com o dólar). E, claro, mesmo essa ligação tênue foi destruída quando Richard Nixon abandonou a convertibilidade do dólar ao ouro em 1971. Nesse ponto, o sistema financeiro mundial passou a se basear inteiramente em dinheiro fiduciário.

Não mais acorrentado pela indexação ao ouro, o Federal Reserve começou a imprimir dinheiro com total abandono. Os resultados evidentes foram uma aceleração dos preços ao consumidor nos EUA e uma explosão de seu déficit comercial, tendências que se agravaram visivelmente a partir de 1971:



Índice de Preços ao Consumidor (Linha Azul, escala da direita) e Balanço de Pagamentos em percentagem do PIB (Linha Vermelha, escala da esquerda)

O Regresso Relutante ao Ouro

Diga o que quiser sobre as pessoas poderosas que dirigem o sistema monetário global, mas elas não são burras. Podem ver tão bem quanto nós que não há nenhuma "estratégia de saída" para os avanços de Bernanke rumo a uma inflação maciça, ou "flexibilização quantitativa" (quantitative easing), como é agora chamada. Em algum momento, os trilhões em reservas excedentes começaram a vazar de volta para dentro dos agregados monetários mais amplos. Nesse ponto, Bernanke ou um sucessor terá que escolher entre salvar o dólar ou salvar as principais instituições de Wall Street. Minha previsão é que que ele vai sacrificar o dólar, e parece que muitas elites ao redor do mundo chegaram à mesma conclusão.

É nesse contexto que o presidente do Banco Mundial, Zoellick, escreve:
O G20 deve complementar [um] programa de recuperação do crescimento com um plano para construir um sistema de cooperação monetária que reflita as condições econômicas emergentes. Esse novo sistema provavelmente envolverá o dólar, o euro, o iene, a libra e um renminbi que se move rumo à internacionalização e, em seguida, a uma conta de capital aberta.

O sistema deve também considerar empregar o ouro como um ponto de referência internacional sobre as expectativas do mercado sobre a inflação, a deflação e valores cambiais futuros. Embora livros acadêmicos possam considerar o ouro uma moeda antiga, os mercados o estão usando hoje como um ativo monetário alternativo. (Grifo meu).
Repetindo, o ouro é a desgraça dos bancos centrais; ata suas mãos e limita sua discrição na condução da política monetária. No entanto, o jogo entra em colapso se as pessoas perdem a fé na moeda fiduciária que sustenta todo o sistema. À medida que a imprudência dos movimentos de Bernanke se torna evidente para mais e mais pessoas, os planejadores centrais ao redor do mundo terão de fazer concessões a um público assustado. A "cesta de moedas", cada uma das quais ainda é um papel-moeda fiduciário, não será o bastante.

Como Zoellick é membro do Council on Foreign Relations, e um participante nas notórias reuniões Bilderberg, alguns analistas suspeitam, de forma compreensível, de seus motivos. Afinal, se pessoas poderosas estão tentando introduzir uma moeda regional para substituir o dólar - da mesma forma que o euro suplantou as moedas europeias tradicionais -, então seria necessário primeiro destruir o dólar. Em seu lugar, seria muito tentador oferecer uma nova moeda vinculada ao ouro.

Sob essa luz, o que parecem ser ações "inexplicáveis" e contraditórias por parte do Fed e outras figuras poderosas faz perfeito sentido.

Conclusão

Independentemente das maquinações dos insiders políticos, as leis da economia não podem ser negadas. Não se pode confiar nos bancos centrais quando se trata de imprimir dinheiro, especialmente quando não há nenhuma maneira formal de deter suas políticas inflacionárias. Não é por acaso que o ouro está atingindo novos recordes diariamente, à medida que investidores em todo o mundo se preparam para o que pode muito bem ser um colapso do sistema de dólar.

Robert Murphy tem um Ph.D. em economia pela New York University e é autor do livro, ainda não lançado, The Politically Incorrect Guide to the Great Depression and the New Deal (Regnery 2009). Publica o blog Free Advice.

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