Postado por Marco Aurélio
Neste artigo, Jim Rickards continua a mostrar que é um dos pensadores mais brilhantes e originais no mundo financeiro atual. Seu mais recente artigo, escrito exclusivamente para o blog de King World News, é de leitura obrigatória. Jim discute a possibilidade do Fed quebrar. "Agora, o balanço do Fed mostra um capital total de cerca de USD 57 bilhões. Ativos circulantes totalizam cerca de USD 2,3 trilhões. O plano que estão querendo lançar agora vai elevar ativos totais para além de USD 3 trilhões. Nesse nível, só é preciso uma queda de 2% nos valores dos ativos para zerar o capital do Fed. Dito de outro modo, só é necessário uma queda de 2% no valor médio dos ativos no balanço do Fed para que ele quebre. E isso se dá, é importante lembrar, em um ambiente onde vários mercados freqüentemente sobem e descem 3% em um único dia".
Sem Saída
James G. Rickards
(5/11/2010 - King World News) – Os desastres às vezes chegam a passos miúdos. Podem não parecer ameaçadores no momento, mas cumulativamente levam ao colapso. O Fed está levando os Estados Unidos à ruína de formas que são, dizem, bem-intencionadas e benignas, vistas de maneira isolada, mas que nos levam, no final, a uma sala trancada parecida com a da peça "Sem Saída", de Sartre.
O Fed finalmente embarcou no QE2, a viagem mais anunciada e divulgada desde o episódio do balloon boy em outubro de 2009 – uma viagem com a qual o QE2 tem impressionantes paralelos. Claro, QE, ou quantitative easing (que podemos traduzir como “relaxamento quantitativo” – M.A.) nada mais é do que um eufemismo para o que realmente está acontecendo. Vamos deixar de lado a expressão “QE”, mais própria da linguagem orwelliana, e usar um termo mais adequado: imprimir dinheiro.
Como o Fed imprime dinheiro? É fácil: simplesmente compra títulos do mercado e creditam a conta bancária do vendedor com o dinheiro eletrônico que tiram da cartola. Quando querem reduzir a oferta de dinheiro, fazem o oposto, ou seja, vendem títulos e a conta bancária do comprador é reduzida pelo preço de venda, fazendo com que aquele dinheiro desapareça. Assim, a impressão de dinheiro é apenas um programa gigantesco de compra de títulos. O Fed pretende concentrar a compra de títulos no setor intermediário, em títulos com maturidades de 5 a 10 anos.
Consequentemente, o Fed parece cada vez mais com um hedge fund altamente alavancado, com uma pirâmide de dívida arriscada, volátil e podre equilibrando-se sobre uma fina camada de capital. Lembre-se que o Fed possui a carteira podre Maiden Lane do Bear Stearns, além de USD 1,4 trilhões em hipotecas, cujo valor está em dúvida por causa de defaults estratégicos, títulos de propriedade perdidos e arrestos (foreclosures) parados. Notas do Tesouro podem ser de boa qualidade de crédito caso você não se importe em ser pago com dólares desvalorizados, mas até notas do Tesouro têm risco de mercado. Se os juros sobem, o valor das notas do Tesouro cai – é simples assim. O Fed está assumindo tanto o risco de crédito e risco de mercado em seu balanço em quantidades sem precedentes.
Agora o balanço do Fed mostra cerca de USD 57 bilhões em capital total. Ativos circulantes somam cerca de USD 2,3 trilhões. O plano de impressão de dinheiro vai levar a conta de ativos circulantes para mais de USD 3 trilhões. Nesse nível, só é preciso uma queda de 2% nos valores dos ativos para zerar o capital do Fed. Dito de outro modo, só é preciso uma queda de 2% no valor médio dos ativos no balanço do Fed para que o Fed quebre. E isso em um ambiente onde vários mercados freqüentemente sobem e descem 3% em um único dia.
Qual o grau de risco do programa do Fed de compras de títulos? Enorme. Para aqueles que não são operadores de títulos, ficam aqui algumas sugestões rápidas. Primeiro, títulos de termo médio são mais voláteis do que os de curto prazo. O Fed tradicionalmente compra títulos do Tesouro de um ano ou menos de maturidade. Esses títulos não são muito voláteis e não mudam de preço quando as taxas de juros mudam. Assim, as perdas da marcação a mercado nunca são tão grandes. Mas as notas de 10 anos são altamente voláteis e os prejuízos podem ser enormes, mesmo com modestos aumentos na taxa de juros. Em segundo lugar, com o Fed representando uma parte tão grande do mercado de treasuries, a liquidez vai diminuir, já que haverá menos agentes para comprar e vender diariamente, dado o papel dominante do Fed. Isso significa que o spread entre compra e venda vai aumentar, tornando a venda dos papéis adquiridos pelo Fed um processo caro, quando chegar a hora. Se o Fed está vendendo, quem é que vai querer comprar?
Finalmente, existe um conceito chamado "DVO1", que é um jargão do mercado para o "valor em dólar de 1 ponto-base". Essa é uma medida de quanto um título cai de preço em resposta a um aumento de 1 ponto-base nas taxas de juros. Acontece que DVO1 é maior quando as taxas de juros estão mais baixas. Em outras palavras, a queda no preço de um título em resposta a um aumento de 1 ponto-base nas taxas é maior quando as taxas estão em 1% do que quando estão em 5%. Esse elemento da volatilidade é independente do fato de que maturidades mais longas são mais voláteis; portanto, ter prazos mais longos e um ambiente de baixas taxas de juros equivale a mergulhar explosivos plásticos C4 numa balde de nitroglicerina.
Quando os críticos levantam a questão de perdas com a marcação a mercado, o Fed tem uma resposta simples: vão segurar os títulos até o vencimento. O Fed não precisa marcar a mercado; podem simplesmente manter os ativos até o vencimento e recolher o valor total do Tesouro ou de outros emissores. Vamos apenas ignorar, por um momento, que alguns dos ativos e hipotecas mais podres não vão pagar nada, nunca. Isso vai demorar anos para ser descoberto; por enquanto, vamos dar ao Fed o benefício da dúvida e dizer que as perdas da marcação a mercado não importam, porque ele não tem que vender.
Os críticos também levantam a questão de que imprimir uma quantidade tão grande de dinheiro vai resultar em inflação, no melhor caso, e talvez em hiperinflação, se a velocidade decolar devido a mudanças comportamentais. O Fed também é muito tranqüilizador sobre esse ponto. Dizem para não preocupar com isso porque, aos primeiros sinais de inflação sustentada e crescente, vão reverter o curso e reduzir a oferta de moeda através da venda de títulos, cortando a inflação pela raiz. Mas note também que o mundo em que o Fed quer vender os títulos seria também um mundo de inflação crescente e, portanto, de taxas de juros também crescentes. Esse é um mundo de enormes perdas por causa da marcação a mercado sobre os títulos.
O Fed está dizendo para não nos preocuparmos com as perdas advindas da marcação a mercado, porque vai segurar os títulos até o vencimento. O Fed está dizendo para não nos preocuparmos com a inflação porque vai vender os títulos. Ambas as declarações não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Você pode segurar titulos e você pode vender títulos, mas você não pode fazer ambos ao mesmo tempo. Você vai querer vender quando as taxas estiverem subindo, quando os prejuízos serão maiores. Portanto, o momento em que você mais vai querer vender é a hora em que mais vai querer segurar. O Fed pode dizer que eles podem contornar isso vendendo vencimentos mais curtos apenas para reduzir a oferta de dinheiro, enquanto seguram prazos mais longos. Mas isso só degrada ainda mais a qualidade do balanço do Fed e o transforma em uma armadilha para ativos altamente voláteis e de baixíssima qualidade.
Então, eis o resumo da ópera da impressão de dinheiro – ou QE, se preferir. Se nada acontecer, a coisa toda terá sido um desperdício de tempo. Se a inflação decolar, o Fed terá de escolher entre manter títulos e deixar a inflação piorar, ou vender títulos e ir à falência no processo. Já que nenhuma institutição vai à lona sem lutar, o Fed irá, naturalmente, manter os títulos e deixar a inflação decolar. Não pergunte sobre a estratégia de saída do QE, porque não há.
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